O silêncio é um tema com um grande poder de atração, sobretudo numa sociedade (como a sociedade ocidental do século XXI), onde é sempre mais importante “ter de falar a qualquer preço”, “terde dizer tudo” e “ter de falar sempre”, quase como se fossem formas explícitas de demonstração de uma equação possível: falar = valer. A sociedade tradicional africana viaja em sentido oposto. Ao agarrar-se aos princípios da tradição oral, a sociedade tradicional africana, pelo contrário, usa cautelosamente a palavra numa escala de valores inversa, sem, todavia, a desperdiçar: vale mais quem fala menos, porque é com o uso atento, cuidado e nunca excessivo da palavra que se estabelece o lugar do sagrado, da arte, da memória, dos afetos, da justiça; é também fazendo recurso de forma plena à arte do silêncio que se pratica a sabedoria e se abrem as portas aos grandes mistérios da vida e do outro. A possibilidade que o silêncio tem de ser forma e objeto de comunicação, aproxima-o das línguas verbais, mas com a singularidade de não partilhar a prerrogativa que aquelas têm de “falar de si” em formas explícitas e autónomas, relativamente a um contexto. Na prática do silêncio, a forma e o objeto são uma coisa só. Não se explica, não se narra e não se descreve o silêncio com o próprio silêncio. Faz-se silêncio, dá-se-lhe um sentido, ou, mais propriamente, inúmeros sentidos, segundo as circunstâncias do diálogo. Todavia, para evocar, narrar, descrever os seus significados e as suas manifestações percetíveis, é preciso usar a clareza de outros tipos de expressão linguística. Neste artigo, examinam-se algumas obras do escritor moçambicano Mia Couto. A análise que oferecemos dessas obras diz respeito aos vários tipos de silêncio que se impõem pelo peso que têm no desenrolar das tramas narrativas e no entrelaçamento dos discursos, que se manifestam principalmente de quatro maneiras, todas ligadas à tradição oral africana: o silêncio da escuta, o silêncio das pausas e das reticências, o desejo de silêncio e o prazer de escuta, o silêncio no silêncio das palavras.
As manifestações do silêncio em Mia Couto
B. Gori
2021
Abstract
O silêncio é um tema com um grande poder de atração, sobretudo numa sociedade (como a sociedade ocidental do século XXI), onde é sempre mais importante “ter de falar a qualquer preço”, “terde dizer tudo” e “ter de falar sempre”, quase como se fossem formas explícitas de demonstração de uma equação possível: falar = valer. A sociedade tradicional africana viaja em sentido oposto. Ao agarrar-se aos princípios da tradição oral, a sociedade tradicional africana, pelo contrário, usa cautelosamente a palavra numa escala de valores inversa, sem, todavia, a desperdiçar: vale mais quem fala menos, porque é com o uso atento, cuidado e nunca excessivo da palavra que se estabelece o lugar do sagrado, da arte, da memória, dos afetos, da justiça; é também fazendo recurso de forma plena à arte do silêncio que se pratica a sabedoria e se abrem as portas aos grandes mistérios da vida e do outro. A possibilidade que o silêncio tem de ser forma e objeto de comunicação, aproxima-o das línguas verbais, mas com a singularidade de não partilhar a prerrogativa que aquelas têm de “falar de si” em formas explícitas e autónomas, relativamente a um contexto. Na prática do silêncio, a forma e o objeto são uma coisa só. Não se explica, não se narra e não se descreve o silêncio com o próprio silêncio. Faz-se silêncio, dá-se-lhe um sentido, ou, mais propriamente, inúmeros sentidos, segundo as circunstâncias do diálogo. Todavia, para evocar, narrar, descrever os seus significados e as suas manifestações percetíveis, é preciso usar a clareza de outros tipos de expressão linguística. Neste artigo, examinam-se algumas obras do escritor moçambicano Mia Couto. A análise que oferecemos dessas obras diz respeito aos vários tipos de silêncio que se impõem pelo peso que têm no desenrolar das tramas narrativas e no entrelaçamento dos discursos, que se manifestam principalmente de quatro maneiras, todas ligadas à tradição oral africana: o silêncio da escuta, o silêncio das pausas e das reticências, o desejo de silêncio e o prazer de escuta, o silêncio no silêncio das palavras.File | Dimensione | Formato | |
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